Um artigo crítico sobre a cultura de poder e burocracia na administração pública portuguesa, exemplificada por um caso de recusa injustificada de atendimento prioritário. O autor aponta para a necessidade de mudança da mentalidade que se alimenta da complicação e do poder de dizer 'não'.
Não podemos continuar a aceitar que o serviço público seja um exercício de poder sobre o cidadão, quando deveria ser um exercício de serviço para o cidadão. Hoje, mais uma vez, testemunhei o que de pior existe na nossa administração pública : a tirania do pequeno poder, a burocracia inventada, a obstinação em complicar o que deveria ser simples. Não é a primeira vez que escrevo sobre este tema, verdadeiro cancro da nossa democracia.
Mas nunca será demais insistir em mudar esta cultura que nos afixia. Uma filha minha, advogada, dirigiu-se ao balcão das Finanças acompanhando uma cliente. Por lei, teria direito a atendimento prioritário – um direito consagrado que visa, precisamente, agilizar processos e servir melhor os cidadãos. No entanto, deparou-se com uma recusa injustificada, baseada num requisito inexistente: uma “procuração escrita registada”. Uma exigência fabricada, sem qualquer fundamento legal, apenas mais uma pedra no caminho de quem procura exercer os seus direitos. Este episódio, aparentemente trivial, é sintomático de uma doença mais profunda que corrói as bases do nosso Estado de Direito. É o reflexo de uma mentalidade que se alimenta da complicação, que prospera no obstáculo, que se regozija no poder de dizer “não”. Uma mentalidade que, multiplicada por milhares de balcões e repartições pelo país fora, se transforma num verdadeiro cancro social e económico, e um dos principais bloqueios ao desenvolvimento económico. E o caldo de cultura da corrupção. Quem, em Portugal, nunca se viu refém desta pequena tirania? Quem nunca sentiu a frustração de ver um direito negado não pela lei, mas pelo arbítrio de quem deveria servir? Vamos tolerando, resignados, porque “eles não vão mudar”. Aceitamos o inaceitável, normalizamos o absurdo, e assim vamos alimentando um círculo vicioso de mediocridade. Uma amiga disse-me recentemente: “Eu também faço reclamação, mas só por princípio, porque sei que não vai mudar nada”
Administração Pública Poder Burocracia Direitos Cidadãos Corrupção
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