Este artigo analisa a crise da ONU, evidenciada pela sua incapacidade de agir efetivamente diante dos conflitos russo-ucraniano e israelo-palestiniano. A análise destaca o poder de veto como fator central na paralisia do organismo e critica a estrutura do Conselho de Segurança, que impede uma atuação mais democrática e justa. O artigo argumenta que a ONU precisa de reformas profundas para se tornar mais representativa e eficaz.
O desencadear dos conflitos russo-ucraniano e israelo-palestiniano estão a obrigar o Ocidente e as Nações Unidas a encararem os seus problemas estruturais. Caminha-se para uma mudança de paradigma? As análises e críticas que se possam fazer à trajectória da ONU não são propriamente únicas ou inovadoras.
O que começou por ser uma sociedade das nações “new and improved”, falada como trazendo os ventos de um tempo mundial de reconstrução, cooperação, paz, e claro está, liderado pelo Ocidente, bem como uma significativa vitória do multilateralismo, acabou por revelar, mais uma vez, que quer se acrescente ou se retire um “neo”, o realismo continua a ser a sombra e o eu lírico que acompanha e determina em última instância a relação entre estados do sistema internacional. Hoje é um organismo que, apesar de em bastantes aspectos representar os ideais das democracias liberais e se esforçar por assegurar o cumprimento dos direitos humanos, não evoluiu (previsivelmente) no sentido de se libertar dos parâmetros do “estado das coisas” que imperam em todas as outras esferas. Num cenário que poderia parecer um, vemos o eternamente polémico poder de veto de uma nação decidir o rumo de outra nação independente, numa atitude peremptória e individualista, ainda que dentro de uma organização internacional, que determina as relações entre vários estados, planos militares, e mais importante, o quotidiano de milhões de cidadãos (não obstante os governos se pareçam esquecer disso mais vezes do que o senso básico de decência humana esperaria). Não abordando o uso do direito de veto nos tempos de Guerra Fria, em que tanto os Estados Unidos da América como a Rússia aplicavam esta autoridade tão frequente e previsivelmente que quase se poderia ter deixado a formalidade das reuniões do Conselho de Segurança de lado, falamos agora da Rússia, quanto à sua invasão da Ucrânia, em 2022, que veta sanções contra si própria naquela que é a mais básica e clara violação do direito vestefaliano da soberania estatal, e dos Estados Unidos, que Não é necessário explicar a Putin nem a Netanyahu que o direito à legítima defesa está sujeito à regra da proporcionalidade; estes sabem-no e escolhem ignorá-lo; as Nações Unidas também o sabem, mas acabam encurraladas e impotentes devido à sua própria estrutura.A ONU é, desde 1945, uma continuação do que era a Sociedade das Nações, com a ambição de evitar as guerras e promover a paz e a cooperação. A reacção imediata da comunidade internacional em Fevereiro de 2022 foi de condenação vincada: a ONU solicitou prontamente um cessar-fogo e fim das hostilidades no Conselho de Segurança através da convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Geral (resolução 2623). Neste seguimento, mais uma vez a Rússia exerce o seu direito de membro permanente e veta resoluções severas. A ONU vê-se impotente no meio do que pode ser considerada a transgressão territorial mais hostil e significativa da Europa no pós-Guerra Fria, deixando a resistência às decisões russas nas mãos de outros organismos, nomeadamente a União Europeia e a NATO, numa evidência clara da discrepância entrede que as Nações Unidas realmente dispõem: o organismo vê-se incapaz de enfrentar as maiores potências estatais mundiais nos momentos críticos. Já no que toca ao conflito entre Israel e a Palestina, este persiste há décadas, estando no seu meio um mediador falhado. Das 89 resoluções vetadas pelos Estados Unidos da América desde 1945, 45 diziam respeito a Israel. Este bloqueio político reflecte as situações de impasse que se criam quando os interesses dos estados mais poderosos estão em jogo, deixando todo o sistema internacional nas mãos de um (ou dois ou três) dos seus membros. Quando o elementar falha e os maiores baluartes da Lei Internacional são desrespeitados através de narrativas simples que se apropriam erronamente do direito à legítima defesa, ou quando se alega genocídio injustificadamente, não será difícil compreender a realidade actual: a instituição internacional das Nações Unidas encontra-se numa crise grave, a sua reputação está crescentemente fragilizada, uma reforma operacional e hierárquica é imperativa. Enquanto o Conselho de Segurança não se tornar geográfica e culturalmente inclusivo e as dinâmicas estruturais não reflectirem relações progressivamente mais equitativas, a impotência das Nações Unidas será recorrente enquanto a organização for um obstáculo a ser contornado ou manipulado, ou um meio para um fim estatal e não um fim inclusivo em si
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